segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Disfagia - que bicho é esse?


   Em primeiro lugar, disfagia não é propriamente uma doença, mas sim um sintoma (mal comparando, similar a uma febre). Qualquer mudança encontrada no processo de deglutição, assim considerado o trajeto do alimento da boca até o estômago, pode ser considerada uma disfagia.

   Muitas vezes (verdade seja dita) é seqüela de um problema anterior, como no caso das lesões cerebrais, mas também pode estar relacionado simplesmente a um problema mecânico ou à maturação do sistema nervoso central e periférico.

   No que diz respeito à maturação do sistema nervoso central (funções neurovegetativas de sucção, respiração, deglutição e mastigação), o crescimento biológico do recém-nascido gradualmente reorganiza as dificuldades que os recém-nascidos pré-termo apresentam, como sucção incompleta ou ausente, atraso para o início da deglutição, lentificação do trânsito oral e incoordenação entre as funções de respiração, sucção e deglutição*.

    É possível que a maturidade de cada função ocorra isoladamente e em fases diferentes do desenvolvimento da criança. Estas diferenças são bem conhecidas pelo fonoaudiólogo, assim como as técnicas de intervenção*.
 
  A Marina, em razão da prematuridade (justamente pela maturação incompleta dos comandos cerebrais), já apresentava desde o nascimento dificuldade para deglutir. Mas nunca priorizei especificamente o tema porque sempre acreditei na transitoriedade e na simplicidade deste sintoma, apesar de ter explicado um pouco no tópico sobre amamentação.

 Transitório com toda certeza era, pelo menos antes da parada cardiorrespiratória. Simples nem tanto...Os riscos que uma disfagia podem ocasionar são grandes, e o maior é a aspiração, isto é, a entrada indesejada de alimento, saliva e/ou secreções na via aérea, o que pode provocar pneumonia aspirativa e infecções respiratórias. Além disto, há também risco de desnutrição e até morte, independentemente da faixa etária.

   Até os quatro meses, o aleitamento materno de minha pequena foi um árduo, lento e paciente trabalho de espera. Ela foi para casa sem mais tanto apego por violeta (cianose), a cor predileta dela na UTI Neonatal, mas em casa, a amamentação durava no mínimo uma hora, e em média uma hora e meia.

  Já imaginaram como eu ficava? Sim, o dia inteiro dando mamadeira, ordenhando leite na máquina pra estimular a produção do meu leite, e insistindo (muito), pra que minha doce criança ficasse acordada pra mamar. Claro, como demorava muito, ela cansava e desistia por exaustão..

  Detalhe: na UTI Neo o Rafa (super pai, não se esqueçam), sempre assumia a função de dar mamadeira, porque eu tinha pânico de ver a Marina roxa em meu colo. Mas em casa, o que fazer? O jeito era aguentar até ele voltar do trabalho, e agradecer porque ele participava ativamente da rotina de amamentação, sempre que podia.

  Voltando à discussão do por quê da disfagia, uma parte do problema já sabíamos qual era, porque a Marina nasceu com 32 semanas, e a dificuldade pra mamar é bem comum em bebês prematuros. O outro problema, que resolvemos aos quatro meses completos, era a malácia de laringe, um "amolecimento" maior da cartilagem responsável pela abertura/oclusão da passagem do ar/alimento.

  Aqui, um pequeno parêntese: nunca é demais pedir uma segunda opinião, ao menos quando as coisas parecerem estagnadas. Eu e o pai da Marina resolvemos fazer isso após noventa dias (noventa!) de muita paciência e nenhum importante ganho de peso da pequena, além de algumas dezenas de noites mal dormidas em razão da respiração estridente e preocupante da baixinha.


 Como a disfagia compromete tanto a parte respiratória como a nutrição do bebê, foi necessário introduzir, com auxílio do pediatra da Marina, uma especialista em deglutição, a fonoaudióloga.

 Só após a cirurgia da malácia foi que iniciamos o acompanhamento com a fono. A fono, neste momento, foi resultado da mudança de pediatra (a segunda opinião), que para o desenvolvimento da pequena foi de grande importância.

  No caso da Marina, o líquido (leite, no começo, e água e suco, depois), acabou sendo engrossado aos poucos após um rigoroso acompanhamento da fonoaudióloga e a introdução de pequenos volumes de dieta pastosa e de sucos engrossados de frutas e/ou gelatinas, o que garantia uma boa nutrição e a segurança de que a aspiração seria eficientemente evitada.

 Tudo evoluiu tão perfeitamente que nossa vida nem parecia ser tão diferente da de outros bebês, embora fosse, de fato. A comidinha da Marina era sempre processada e, aos poucos, conseguimos fazê-la gostar de água! Gostar nem tanto, mas ao menos beber sem engasgar.

  Até o dia 17 de outubro, dia da parada cardiorrespiratória, já tínhamos agendado com a fono, inclusive, a introdução de alimentos sólidos (franguinho desfiado seria o primeiro desafio). Mas a dita parada mudou tudo...

 Agora, dia 27 de dezembro, após 70 dias de internação, sequer conseguimos estabelecer um processo mínimo de ingestão.

  Após o videodeglutroma da deglutição (uma endoscopia do processo de ingestão), o mesmo exame que fizemos no início do tratamento da baixinha, foi necessário agora na internação, porque infelizmente, retrocedemos, sem saber exatamente o quanto é possível evoluir.

   Já fizemos alguns testes, uns com sucesso, outros nem tanto, mas ao menos é possível dizer que saímos do zero. Enquanto isso, acordo todos os dias pensando nas forças que precisamos ter para acreditar que tudo há de melhorar.

 Espero ansiosa por 2012, cheia de expectativas sobre todo este universo que não conheço e que quero desvendar.

   Por isso, não posso deixar de dizer que só estou confiante na melhora porque a Marina conta com uma extraordinária e dedicada equipe de profissionais, além de uma família espetacular, que bem mais que estar presente, está pronta pra cuidar, pra vencer desafios, pra superar todos os obstáculos.

    A receita: amor, simplesmente amor.


*Fonte: http://www.sbfa.org.br/portal/pdf/comitedisfagiautineonatal.pdf

Nenhum comentário:

Postar um comentário